NOTA: Este é um blog de opinião, não de noticias. Portanto tudo aquilo que for escrito, embora fundamentado em dados, noticias ou informação verídica, não é imparcial. E também não é uma verdade absoluta, é apenas uma opinião critica, portanto não deve ser vista com tal. Fica a dica.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

[Conto] Feliz Dia dos Namorados Chuvoso


Era uma tarde de terça-feira. O sol brilhava, mas chovia forte. Um arco-íris solitário repousava nos céus com suas sete cores. Ela estava deitada em sua cama, dali podia ver a janela aberta e a paisagem atrás. Entrava uma brisa suave e entrava também água, mas ela não se importava. Depois limparia tudo. Existia alguma coisa quase mágica e ao mesmo tempo quase depressiva em morar sozinha. Não que Lisandra realmente tenha morado com alguém após ter saído da casa dos pais, mas durante um mês sua colega de  trabalho dormiu lá, na época estava sem emprego. As duas se tornaram boas amigas. Inclusive foi ela que lhe apresentou a Apolo. Apolo fazia medicina na Universidade Federal da Bahia e era maluco por números de um jeito que ela não entendia. Aquele rapaz maluco conseguia extrair um incrível prazer da dificuldade em realizar uma equação que era inerente à ele. Lisandra fazia faculdade de história, esse era o provável motivo de ela não ter tanta sintonia com ele, ela gostava de filosofar sobre a vida e todas as coisas e sabia que as vezes isso era um pouco chato. Ele gostava de fazer contas... e se divertir.Certa vez perguntou a ele porque escolheu medicina. Se gostava tanto de números não era melhor ciências contáveis? "Me disseram que medicina dá mais dinheiro" foi a resposta dele. Mas quando você está apaixonado não se importa com essas pequenas coisas... ou se importa? Na verdade eram outras pequenas coisas ela notava. Era seu sorriso largo que parecia nunca sair do rosto, mesmo quando ele fazia uma coisa errada - nessas ocasiões era um sorriso maroto que fazia Lisandra pensar "aí tem". Eram seus longos caracóis castanhos que amarados por uma bandana e que pendiam até abaixo dos ombros e por vezes cobriam seu rosto e a forma como ele os afastava. Era sua voz, e a forma como ele lhe elogiava e as palavras doces que usava, dizia-as ao pé de seu ouvido. E das piadas onde ele a comparava com um problema matemático, até disso ela gostava... e ria, e sorria. E de como ele a abraçava nas noites em que dormia em sua casa, em sua cama.

Lisandra estava deitada em sua cama, sozinha. Estava pensativa e alheia do mundo. Era nessas coisas que estava pensando. Tocava uma musica em seu som, na sala mas ela não dava a mínima. Um despertador tocou e arrancou-a de seus devaneios amorosos. Foi bom. Foi bom pois ela já se perguntava porque Apolo a deixará, ou melhor, por que ele parou de se importar com ela, porque disse que não gostava dela, que não gostava dos jantares, dos encontros, das conversas. Porque disse que ela era uma maluca? Porque, porque, porque? Não importava mais, afinal ele tinha lhe dado um fora dos feios. Lisandra levantou e fechou a janela. Olhou para a pocinha de água e só olhou. Quando voltasse limparia aquilo. Tomou um banho frio para acordar. E se olhou no espelho da sala. Vai ver sou comum demais, pensou, por isso ele me deixou, eu não era tão interessante assim. Foi só um casinho. Amarrou seus longos cabelos pretos -excerto por algumas madeixas cinzas que ela tingiu- num rabo de cavalo deixando uma franja lateral. Vestiu uma camiseta velha qualquer, uma calça jeans rasgada e uma jaqueta surrada. Dizem que quando mulher está triste, mulher esquecia até de se arrumar. Pois Lisandra passou pouca maquiagem, mas foi só para não parece que tinha passado a noite em claro pensando no idiota que tinha passado por sua vida. Pegou sua mochila que a muito não usava, meteu tudo que precisava ali, comeu uns ovos fritos e uma vitamina e saiu para o trabalho.
Lisandra trabalhava no shopping, numa livraria. Basicamente o que fazia era rodar a loja constantemente para verificar se estavam os livros todos no lugar e ajudar os clientes caso precisassem. Lisandra já não lembra nem mais o nome da função que exercia, mas não era assim tão gratificante. Embora, muitas vezes ela matasse parte do tempo lendo os livros do estabelecimento. Aquele era um desses dias. Ela chegou, pôs seu uniforme e na primeira oportunidade que teve se sentou num canto distante da livraria(pois era enorme) e tratou de pegar o primeiro livro que encontrou e ler. Era um romance qualquer onde um casal se comunicava pro correspondência e por anos continuavam se amando. No inicio da história o homem quase se separa da moça, mas algo o faz mudar de ideia e a história se segue. Isso sim é amor, pensou Lisandra, será que um dia um homem me amaria assim? Lisandra lembrou de uma conversa que teve com sua amiga sobre namorados e elas falavam sobre loiros, moreno, altos, atléticos, que eram inteligentes, divertidos e lhes trariam flores todos os dias como se um dia fossem mesmo encontrar um homem assim, mas Carla não acreditava tanto nisso, dissera que Lisandra era sonhadora demais. Mas seu namorado era assim e lhe trazia flores sempre que podia. Rosas vermelhas. E Lisandra se lembrou que aos poucos ele trazia-as com menos frequência. É, talvez não existissem mesmo homens perfeitos, ela só foi uma tola iludida por um charlatão.

Lisandra recebeu uma ligação, era sua amiga, mas não queria falar com ninguém. Desligou. Outra ligação. E mais outra. Acabou o horário de trabalho e Lisandra já se deslocava para a faculdade sem livros, canetas ou que de fato precisasse. Provavelmente nem prestaria atenção assim na aula. Na faculdade percebeu que, estranhamente, existia um numero maior de casais perambulando juntos naquela tarde. Lembrou: era dia dos namorados. Foi por isso que ficou a noite anterior inteira pensando "naquele cara"? Ela nem se lembrava no que estava pensando na noite anterior, mas deve ter sido isso. Foi no dia 12 do ano passado que eles começaram a se relacionar, ironicamente. Lisandra foi locar um filme para assistir sozinha porque todas as amigas estava comprometidas e Apolo estava na mesma locadora escolhendo também. Ele falou por traz dela e lhe indicou um filme. A moça quase morreu de susto ao escutar a voz do rapaz. Eles tinham se visto algumas vezes quando Apolo ia visitar a colega de Lisandra na livraria, eram muito amigos. Nesse dia Lisandra e Apolo foram para casa dela, e assistiram o filme juntos, riram juntos e se divertiram como a muito tempo ela não tinha feito. Ficou irritada com o dia dos namorados. Porque precisa existir um negocio desses? Isso é só uma desculpa pra você gastar dinheiro em futilidades! Foi direto pra sala tentando não olhar para os lados. Outra ligação. Era a mesma pessoa.  Dessa vez ela atendeu. Não era sua amiga no telefone mas Apolo. Disse que queria falar com ela. Ela bateu o telefone. E o telefone tocou uma, duas, três e continuou a tocar. Ela resolveu atender de novo.
- Feliz Dia dos Namorados! - Escutou.
- Porque está usando o celular da Carla, seu cachorro?
- Só desse jeito você iria atender, e eu queria falar com você.
- O que você quer?!
- Já disse. Falar com você sua bobinha, pessoalmente. E é assim que me trata? Outros caras não ligariam tantas vezes...
- Não importa. Fale então?
- Queria falar pessoalmente...
- Pode falar pelo celular também...
- Não custa nada perder uma aula para vir falar comigo?
- Estou em horário de aula.
- Eu também. Mas hoje é dia dos Namorados. Acho que seu professor vai compreender, não é? Então. Vem aqui na meu campus.
- Não, acho que não, eu também não posso. E não vou no seu campus - Lisandra tentava ser ríspida, mas era péssima nisso 
- Então eu vou no seu.
- Tente me encontrar então. É só isso?
- Não.
- Desembucha!
- Também tenho dois ingressos para...
- Ah, vá pro inferno.
- Mas você nem...
- Vá pro inferno e leve seus ingressos seja lá do quê junto com você. - E desligou o celular.

Lisandra entrou na sala e tentou prestar atenção na aula mas percebeu que não conseguiria, ainda mais quando se lembrou que o canalha podeira estar indo mesmo até seu campus para lhe infernizar a vida. Quando o professor liberou todos para a próxima aula ela pegou a mochila e foi embora e pegou o primeiro ônibus que encontrou que seguia para seu bairro. O ônibus estava lotado e o transito congestionado. Lisandra já estava espumando de raiva, estava com os pés cansados e a mãos doloridas de tanto se segurar nos ferros do transporte. Atrás dela tinha uma mulher conversando com uma amiga, e uma delas devia ter comigo algo podre porque o hálito era horrível e estava difícil de suportar. Mas o ônibus estava tão lotado que ela não podia criar uma distancia da mulher de boca podre. O celular tocou mais uma vez. Dessa vez ela apertou o botão de ligar e o de desligar logo em seguida e guardou de novo. Quando estavam a pouco mais de um quilometro do seu condomínio residencial Lisandra desistiu de ficar no ônibus e desceu para a rua. Ia ir andando mesmo. E assim foi. Andando a passos pesados pelo asfalto molhado vendo as motos  passando por entre os carros. Esse caras que usam motos, esses sim são espertos, pensou, vou juntar meus salários e comprar uma moto, são baratas, tem tanque pequeno, e nunca pegam engarrafamento... e aposto que te deixam mais interessante. É, mais interessante, mais sexy. Sempre ouvi meus amigos dizerem que uma mulher numa moto é sexy. Vou juntar meu salário e comprar uma moto bem legal e os homens vão olhar quando eu passar em alta velocidade por eles com os cabelos voando que nem nesses filmes e os homens não vão dizer nada pois estarão hipnotizados por um flash da minha beleza. É isso, vou comprar uma moto. E foi andando. E começou a chover. Que droga. Porque tinha que chover logo agoooora. Vou me molhar toda, e eu tava gripada até semana passada, mas que droga. Maldita chuva, maldita, maldita, maldita. E Lisandra começou a correr, cada vez mais rápido para não se molhar. E seus pés batiam no chão e a água fazia aquele barulhinho junto com o barulho da chuva. Plof, ploft, ploft; E a chuva ficava mais forte, e Lisandra corria mais e mais mas os carros continuavam imóveis, ela nem via mais o ônibus que tinha pego minutos meia hora atrás. Mas também não podia ter tanta certeza, não estava olhando para traz. Devia fazer assim com a vida também, para de olhar para traz, esquecer tudo de ruim, e pensar no futuro, e nas pessoas do futuro e, principalmente, botar uma pedra em aquele tal de Apolo que passou em sua vida só fez estrago. É, ia fazer que nem fez com o ônibus, esquecer que tinha estado nele, que os pés tinham ficado cansados e dormentes da imobilidade, e seus braços cansados dos ferros. Esquecer tudo ela ia. Sim, esquecer tudo! Tudo meeeeeesmo!

Agora Lisandra estava perto, mais alguns metros e estaria lá. Lisandra achou que tinha calculado mal, pensou que era apenas um quilometro que faltava, mas ela já tinha percorrido uns dois. Estava bem mais cansada do que achou que estaria, mas números nunca foi o forte de Lisandra. O Celular tocou mais uma vez. Lisandra olhou o objeto por um segundo. Jogou-o no chão e pisou com vontade. E de novo, e de novo, e mais uma vez . E então chutou tudo para a pista.
- E vá para o inferno junto com ele! - berrou para o chão. Um mendigo que estava passando por lá se assustou e mudou de rumo, com medo do grito da moça. Passo após passo. PLOFT PLOFT PLOFT. A chuva continuava, mas Lisandra não se importava. Estava começando a espirrar, mas estava começando a gostar da água jorrando por seu rosto e a sensação dos cabelos grudados na pele. Iria chegar em casa, pegar seu CD da banda de rock mais barulhenta que tivesse e ia por no volume máximo e ia ser feliz por tempo indeterminado e fazer o que desse na telha.

Quando Lisandra chegou ao prédio uma sensação de alívio percorreu seu corpo. Passo após passo. E ela subia os degraus. O prédio tinha cinco andares, ela morava no quarto. Passo após passo. Uma escada, duas escadas, três escadas, quatro escadas e finalmente... Lisandra ficou estática.
Ele estava deitado e respirando ofegante, o peito inflava e diminuía, as roupas encharcadas tais como as de Lisandra e os cabelos cortados bem curtos. Murchas, em suas mãos, estavam rosas, um buquê grande e cheio.
- Ah! Que bom que você chegou.
Silencio. 
- Você vai ficar parada? Olhado para mim? Vai ficar ai e não vai dizer nada? - ofegou.
Lisandra continuou em silencio. Em sua cabeça corria um turbilhão de ideias, mas a principal delas era: o que ele estava fazendo na porta da minha casa depois de dois meses?
- V-vo-você n-não tem carro?
- Você não tem carro? Estou parado na porta da sua casa... mais encharcado que uma água viva...com um buquê de rosas na mão... e você me pergunta onde está... meu carro? - ele fungou o nariz.
-Você tem um carro não tem?
- Roubaram umas semanas atrás... Estava armado, não pude fazer nada.
- Então como veio até aqui?
- Do mesmo jeito que você, imagino... andando. O transito estava uma merda.
- E não comprou um guarda-chuva...
- Divido que você tenha se lembrado de comprar um... não é do seu feitio.
- Não impor...
-Importa. Porque eu me importo. E você já me perguntou onde está meu carro, como cheguei aqui. Mas não fez a pergunta mais importante... porque eu estou aqui.
Lisandra não respondeu. Ele levantou, com um pouco de esforço. Tossiu.
- Será que já posso enlouquecer ou devo apenas sorrir?
- Não sei mais o que tenho que fazer...
- Pra você admitir que você me adora, que me acha foda.
- Não espere eu ir embora pra perceber que você me adora. E que você me ama. E que nunca gostei muito da Pitty, mas essa musica é a sua cara. Acho que as rosas e... bem... os ingressos... estragaram. Eram ingressos para um show da Pitty, eu sei que você gosta. Mas eu ainda estou aqui. Espero que tenha gostado do cabelo... e eu estou arrependido por ter dito que você era uma pessoa desinteressante, e eu tranquei o curso de medicina... e eu te amo. E quero te abraçar e te esquentar... se você quiser, é claro.
Lisandra largou a mochila e deu-lhe um abraço forte e sussurrou bem próxima a orelha: Eu já sabia que você voltaria. Feliz dia dos Namorados, meu amor.
- Feliz dia dos Namorados. - Respondeu Apolo. - Eu te amo.
Um fiapo de sorriso surgiu no canto da boca de Lisandra.
- Eu sei.

Feliz Dia dos Namorados chuvoso. - Riraymage.

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